Fachada atual do Memorial do Imigrante
Museu mais visitado da cidade de São Paulo, o Memorial do Imigrante é um lugar de importância para a reflexão sobre o papel dos fluxos migratórios na construção da identidade paulista e no discurso da grandiosidade e do progresso do Estado de São Paulo. Sediado na antiga Hospedaria dos Imigrantes, um lugar de passagem vinculado ao imaginário da grandeza do ciclo do café e do início da industrialização e urbanização paulistanas, a visita a esta instituição permite verificar ausências de representação e construção de memória. A localização do museu, o seu entorno, a proximidade com a ferrovia e sua ligação intrínsica com o bairro do Brás são aspectos de destaque em um roteiro de estudo de meio sobre a importância da ferrovia na construção e desconstrução do discurso sobre a historia paulista.
A própria existência do prédio revela um importante salto populacional no Estado de São Paulo, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, sem contar a chegada de imensos contingentes de migrantes entre as décadas de 30 e 50.
A Hospedaria dos Imigrantes foi criada dentro do processo de inserção dos imigrantes como força de trabalho em uma economia nacional voltada totalmente à exportação cafeeira. Em 1886, durante o governo de Antonio de Queiroz Telles, Barão de Parnaíba, foram iniciadas as obras de construção da Hospedaria dos Imigrantes no Brás. Ela foi resultado das atividades da Sociedade Promotora de Imigração, ligada aos cafeicultores do interior paulista, que à época tinha imensa influência sobre o governo da província paulista.
Duas áreas da cidade foram sugeridas para a construção de um centro para recepcionar a população imigrante que chegava: um terreno ao lado da estrada de ferro Santos-Jundiaí, no Brás e outro próximo ao Convento da Luz. A primeira proposta acabou vencendo, pois a região da Luz era a preferida pela população mais abastada da cidade, com seus casarões dos Campos Elísios, e um centro de recepção de trabalhadores estrangeiros, na maioria miseráveis, não era bem vista região. Conforme nos aponta os registros do próprio museu, "na visão higienista do período, o Brás era o local mais adequado a receber os deserdados da terra que atravessavam o atlântico". O terreno escolhido estava próximo às estações do Brás, da SP Raiway e do Norte (que vinha do Rio de Janeiro).
De arquitetura eclética e predominância do estilo neoclássico, o prédio de 10 mil m2 começou a ser construído em 1886. Sua capacidade era para receber três mil imigrantes, mas ele chegou a abrir oito mil pessoas. Um surto de varíola em 1887 na antiga hospedaria do Bom Retiro precipitou a inauguração do prédio, que recebeu o primeiro grupo de estrangeiros. Inaugurado às pressas, sem infraestrutura para receber o volume de estrangeiros que chegavam (havia falta de cama e superlotação), os motins e rebeliões entre os imigrantes confinados ali eram frequentes nos últimos anos do século XIX, como mostram reportagens do jornal "O Estado de São Paulo".
Chegada de migrantes na antiga estação da Hospedaria. Fonte: Memorial do Imigrante
O percurso pelo Memorial do Imigrante mostra claramente a predominância da representatividade da imigração estrangeira. O próprio nome oficial da instituição revela essa predominância, em detrimento de outras memórias, vinculadas aos fluxos migratórios internos do nordeste para São Paulo, após a década de 30. Percebe-se claramente que a memória do estrangeiro revela um certo "orgulho" paulistano da ascendência européia (evidenciado pelos que pesquisam o sobrenome de pais e avôs para obtenção de vistos).
Os imigrantes, sobretudo os italianos, demoraram a ser assimilados pela elite paulista. Desprezados pela classe dominante, receberam a alcunha de "carcamanos", uma corruptela para a expressão "calca la mano", em que se acusavam os comerciantes que fraudavam o peso nas balanças. Mas com o tempo, a própria construção da memória paulistana os integrou na mítica da cidade.
Já os nordestinos não tiveram o mesmo lugar nesta representação. O fluxo imigratório nordestino, que se acentuou entre os anos 50 e 60, dentro do desenvolvimentismo, foi aborvido pela necessidade de braços para a "a cidade que mais cresce no universo". Com a estagnação do crescimento, foi aos nordestinos que recaiu parte da culpa pelo crescimento populacional desordenado da cidade. Talvez por isso, esta representação ainda está para ser reelaborada.
Fonte:Memorial do Imigrante
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